Era uma vez, num estado esquecido por Deus, uma pequena cidade chamada Imagilândia.
Era uma cidade pequena, de pouco mais de 40 mil habitantes, comarca de entrância intermediária, com duas Varas e três promotoria de justiça.
Eis que veio, não se sabe ao certo de onde, um determinado delegado oficiar em Imagilândia. Seu nome era Eficiêncildo.
Eficiêncildo era um rapaz bastante jovem, recém-formado... não conhecia muito dos macetes e manhas do meio jurídico. O que ele não sabia, era que Imaginândia era uma cidade um tanto quanto violenta, com a abundante ocorrência de casos de mortes por acerto de contas com tráfico de drogas, arrastões em restaurantes e lanchonetes, outros roubos, pequenos e grandes furtos.
Eficiêncildo ficou fascinado com a colocação geográfica estratégica da cidade: o clima era agradável, à 40 km da capital do estado, as pessoas eram hospitaleiras e etc.. Pensou que estivesse feito! Afinal, numa cidade como aquela não era possível que existisse tanto trabalho para o delegado e seus agentes.
Pobre Eficiêncildo!
Eis que, mal botou os pés no prédio da delegacia, deparou-se com uma pilha enorme de inquéritos absolutamente complicados, alguns que, de tão antigos, já poderiam compor como peça cara de um futuro museu da história judiciária de Imagilândia!
Eficiêncildo levou as mãos à cabeça!
Meus Deus! O que eu faço com todos esses inquéritos?!
E então, veio a ideia brilhante: "Senhores estagiários: conhecem o principio da insignificância? Sabem o que é prescrição virtual ou antecipada? Pois façam dois modelos de relatório, grudem na ultima folha de todos esses inquéritos e tirem esses malditos da minha vista!"
O juiz da 1º Vara de Imagilândia, um senhor muito distinto e fã do princípio da celeridade e economia processual, fico sabendo da ideia de Eficiêncildo e se colocou a fazer o mesmo: "Acessores! Peguem todos as ações penais quase prescritas, inclusive as de homicídio e sem pronúncia, e os envie à Promotoria de Justiça, para que o digníssimo promotor diga quanto à ocorrência de prescrição da pretensão punitiva em abstrato ou virtual."
Certamente não constava da inteligência do grande julgador e do caríssimo delegado a Súmula 438 do STJ que declarou inadmissível a prescrição da pretensão punitiva com base em pena hipotética...
Mas o fato, é que centenas de casos de roubo, furto, tortura, lesões corporais e até de homicídio, quando não tiveram a prescrição punitiva extinta, exintiguiram a punibilidade com base no famoso princípio da bagatela (obrigado STF!).
Então, ante a onda de impunidade que se viu formada sob as cabeças de todos os Imaginancianos, cresceu sobremaneira a criminalidade.
Viu-se gente praticando estupros e furtos às portas da delegacia... E Eficiêncildo, que em parte era responsável por tudo aquilo, estava ocupado demais coordenando operações mirabolantes, tentando prender pequenos traficantes, buscando embasar denúncias sem nem ao menos se ter a droga apreendida. Tentando forçar o notório julgador da 1º Vara, à decretar a prisão preventiva de gentes que, embora sabidamente levassem uma vida escusa, haviam praticado apenas atos meramente preparatórios de um crime. O engraçado é que o citado Magistrado parecia viver em sintonia com Eficiêncildo, pois sempre deferia os pedidos de prisão preventiva que lhes eram apresentados.
O que aconteceu depois?
Ora! A resposta é a mais óbvia possível, afinal, tratava-se do "Braziu", um belo e enorme país situado entre o Atlântico e o Pacífico.
Um lugar onde tudo pode acontecer.
Foram promovidos o delegado e o juiz.
Mudaram-se para uma comarca de entrância final e estão a desgraçar a vida de outras gentes por lá.
FIM
Por João Antônio Chagas